terça-feira, 19 de abril de 2011

Ciclista: uma máquina biológica (matéria publicada na Revista Bike Action) Autor: MS Pacheco

Imagine a máquina que funciona com rendimento e perfeição. Lembre-se de um ciclista pedalando com força e velocidade; nesse caso estaríamos observando a máquina mais perfeita que existe: o corpo humano. Nosso organismo desde o nascimento até o último dia de vida, de maneira contínua desenvolve simultâneas funções, complexas e atreladas ao esforço físico combinando respiração, circulação, contração muscular, percebendo e analisando informações que permanentemente chegam ao cérebro e seu sistema nervoso para assim planejar e executar ações.

Quando nosso organismo transita do estado de repouso para o exercício físico como pedalar, por exemplo, há uma totalidade de sistemas fisiológicos ativados e alterados permitindo desta forma a possibilidade de aumentar a intensidade da atividade de maneira gradual e contínua. Progressivamente o tempo e a frequência proporcionam ao organismo certa melhora em seu rendimento e eficiência de trabalho. Podemos compreender a atividade esportiva na fundamentação de processos complexos com participação de diferentes sistemas que são organizados por uma multiplicidade de células especializadas, agrupadas e que exercem funções refinadas.

Evidentemente a prática do ciclista se baseia em um sistema mecânico de locomoção que protagoniza um movimento de ossos, articulações e músculos onde as alavancas ósseas e as articulações se comportam como mecanismo de transmissão da energia através dos músculos que são os elementos ativos que se contraem e movimentam essas peças ósseas.

Algo que sempre está ligado a outros sistemas por interação fisiológica, por exemplo, o sistema respiratório capta e o sistema cardiovascular transporta e libera moléculas de oxigênio – o comburente da produção de energia – para as células do sistema muscular. No ciclista de alta performance os três sistemas são análogos a três engrenagens harmônicas e altamente eficientes. Como a maioria das máquinas, a do ciclista produz calor e seu sistema de termorregulação permite regular e manter a temperatura corporal sem comprometer seu desempenho. O sistema urinário está relacionado ao equilíbrio hídrico e de eletrólitos que se perdem em provas longas onde o organismo é desafiado constantemente, como nas etapas da Volta de Ciclismo Internacional do Estado de São Paulo, o famoso Le Tour de France ou o Giro di Italia.


Vale lembrar que o sistema endócrino intimamente coordenado pelo sistema nervoso que dirige todas as atividades, principalmente através de interpretação das informações que chegam constantemente da periferia, ou seja, dos músculos em atividade. Nesse momento a máquina está predisposta a tolerar não somente a fadiga periférica (muscular) conhecida como “cansaço muscular” gerado pelo desafio das provas de curta duração e alta intensidade típicas das etapas de contra-relógio e subida
de montanhas, como também a fadiga central imposta pelas provas de longa duração.

É importante saber que a máquina do ciclista sabe utilizar todas as fontes energéticas disponíveis e de maneira adequada às características das etapas de provas que participa. Basta analisarmos as provas com distâncias entre 11,3 km e 93,2 km que apresentam características de alta intensidade de esforço, onde o atleta gasta quase que totalmente seus depósitos de glicogênio muscular – a fonte primária de energia para seus músculos. Isso se comprova entre a maioria das etapas da Volta do Estado de São Paulo compreendendo a prova de contra-relógio e a etapa de São Carlos a Ribeirão Preto. Em relação às provas mais longas que compreendem percursos de 105,6 km a 230,2 km temos uma modificação na seleção das reservas energéticas, onde o ciclista utiliza parte de seu depósito de glicogênio muscular, mas acessa com bastante eficiência os estoques de gorduras presente nos músculos e outros tecidos. E essa interação carboidrato-gordura é essencial ao desempenho, costumo lembrar uma máxima do metabolismo do exercício:     “... as gorduras queimam nas chamas dos carboidratos”. Portanto o ciclista esta sempre dispondo de reposição dessa nobre fonte energética e em plena atividade competitiva.


O treinamento ao qual um ciclista de estrada é constantemente submetido leva sua máquina a dispor de um sistema respiratório capaz de captar grandes quantidades de oxigênio para seus pulmões, e seu coração possui uma capacidade enorme de bombear grandes quantidades de sangue por minuto jamais encontrada em outra modalidade esportiva, por sua vez seus músculos são preparados para utilizar e consumir o oxigênio nos processos de produção de energia, além de proporcionar um retorno desse mesmo sangue ao coração através de um mecanismo chamado bomba muscular.

Durante as provas de longa duração como as etapas 2, 5 e 6 que compreendem 230,2 km; 199,0 km e 193, 0 km respectivamente de Sorocaba a São Paulo; Cajuru a Campinas e de Campinas a Atibaia o comportamento fisiológico é bastante interessante. O atleta tolera psicologicamente o esforço aliado a um equipamento bioquímico presente em suas fibras musculares que conseguem minimizar os efeitos negativos produzidos pela competição árdua e cumulativa. O cansaço é algo inerente, porém sua máquina produz concentrações de um metabólito denominado lactato em condições que não trazem prejuízos a seu desempenho. Ainda que sua produção seja aumentada nas etapas de menor duração como as 1, 3, 4, 8 e 9, que perfazem trechos de 85,8 km; 11,3 km; 93,2 km; 79,0 km e 51,5 km respectivamente em São Paulo; São Carlos; São Carlos a Ribeirão Preto; São José dos Campos a Campos do Jordão e de Jundiaí de volta a capital.

Seu organismo sabe lidar com o lactato e o fenômeno agregado a ele, representado pela alteração do pH muscular – fenômeno denominado acidose metabólica – caracterizado por “falhas” nas ações de importantes enzimas que processam a utilização de carboidratos, além do efeito causal de desconforto psicológico e muscular.

Vale ainda lembrar os aclives impostos ao ciclista na etapa até Campos do Jordão podem conciliar com um dia de baixa temperatura, além da altitude mais elevada em relação ao nível do mar, aumentando a sensação de desconforto.

Porém a máquina biológica foi planejada, construída e treinada para os desafios da vida esportiva extremamente competitiva, mas principalmente preparada para o sucesso.



Nenhum comentário:

Postar um comentário