sábado, 16 de abril de 2011

TREINAMENTO DE FORÇA PARA CORREDORES


Surpreendentemente, para alguns treinadores e atletas, as pesquisas ao longo da última década têm indicado que o treinamento de força muscular pode contribuir de fato para a melhora do desempenho de corredores. Isso não é totalmente novo, quando se observa o contexto dos estudos anteriores, que tentaram determinar incompatibilidades dos treinamentos concorrentes de força e resistência aeróbia. O conceito de compatibilidade, pioneiramente foi abordado pelo Dr. Robert Hickson (1980) e sua equipe de pesquisa com um estudo clássico que demonstrou, mesmo sem aumentos significativos no VO2máx, o treino regular de força (10 semanas) foi responsável por aumentar a economia de corrida (EC) na ordem de 12%. STOREN et al. (2008) analisaram corredores treinados de ambos os sexos (VO2máx entre 56 e 61 ml.kg-1.min-1), após 8 semanas de treinamento de força, demonstrando melhoras de 21% no tempo de corrida até a exaustão.

Estes trabalhos evideciam que o treinamento de força muscular de alta intensidade, concorrendo com o de resistência aeróbia, tende atrasar o desenvolvimento de força em longo prazo, mas não parece atrasar o desenvolvimento da aptidão aeróbia. Um estudo conduzido por Kraemer et al. (1995) observou corredores de 10.000m de alto nível iniciando um programa de treinamento de agachamento intenso (5 RM) para observar se conseguiriam diminuir seus tempos de corrida. Para surpresa de todos, eles correram mais rápido, e estudos posteriores têm verificado esse fato, desmistificando a hipótese que o treinamento de força muscular possa atrasar o desempenho de endurance, tendo diminuído o medo entre técnicos, especialmente quando o programa é elaborado de forma específica para seus atletas.

Do ponto de análise fisiológica e biomecânica, o treinamento de força realmente melhora o limiar de lactato (LL) e a economia de corrida (EC). Estes são os dois fatores mais importantes para o sucesso, além do consumo máximo de oxigênio (VO2 máx.), que parece alcançar um “platô” mais rapidamente que outras variáveis fisiológicas (BASSET; HOWLEY, 1997).

Em geral, em teste progressivo, na intensidade a partir da qual a concentração de lactato sanguíneo aumenta sistematicamente acima dos níveis de repouso tem-se utilizado a nomenclatura limiar de lactato (TANAKA et al., 1985). A partir desta intensidade, o aumento da carga de exercício leva a um segundo ponto, caracterizado por uma concentração de lactato sanguíneo próximo de 4 mmol. L-1 ou aumento desproporcional na ventilação em relação à produção de dióxido de carbono. Esta intensidade tem sido utilizada como referência ao máximo estado estável de lactato sanguíneo ou limiar anaeróbio individual (LAnI) (DENADAI, 2000) ou limiar anaeróbio (AnT) (WASSERMANN et al., 1973).


Todos possuem a semelhança em serem marcadores de pontos de transição metabólica. O treinamento de força pode aumentar o LL em 10% em atletas de endurance não-treinados em força. O mecanismo pelo qual o LL é aumentado pode ser explicado pelos aumentos da força de contração das fibras do tipo I (lentas e oxidativas), diminuindo, portanto, a intensidade relativa exigida por essas fibras e atrasando a necessidade de recrutar as fibras do tipo II (rápidas e glicolíticas), caracterizadas por um alto limiar de excitação neural. Essas fibras quando recrutadas resultam no aumento da produção de lactato (ZATSIORSKY, 1995).


Segundo Hasegawa et al. (2002) economia de corrida (EC) é o inverso da proporção gerada pela quantidade de oxigênio consumido (VO2 máx.) para manter uma determinada velocidade (16 km/h) (p.ex., 55 ml.kg-1.min-1). A EC é alta quando um menor VO2 máx. é necessário para a velocidade dada (p.ex., 50 ml.kg-1.min-1), e é baixa quando um maior VO2 máx. é necessário para a mesma velocidade (p.ex., 60 ml.kg-1.min-1). Um dos mecanismos envolvidos na melhora da EC é semelhante ao aumento do LL, isto se deve ao treinamento de força e potência muscular, ou seja, ajustes no padrão de recrutamento das fibras musculares. Além disso, o tempo de contato com o solo pode ser reduzido pela diminuição da ação das forças de reação do solo, através do treinamento de força rápida ou explosiva (pliometria), em função dos tempos mais baixos na curva força-tempo (p.ex., 0,1 s). Tudo isso indica que a inclusão criteriosa e cuidadosa do treinamento de força e potência muscular aperfeiçoa o desempenho de corredores.

A redução teórica de lesões, seja proporcionada pelo aumento da resistência e força dos tecidos conectivos (tendões e ligamentos), seja pelo equilíbrio nas ações musculares (agonistas, antagonistas, sinergistas e estabilizadoras) ou diminuição do déficit muscular bilateral (direito e esquerdo) e contra-lateral (anterior e posterior), é mais um argumento para o uso em atletas. Seu uso deve ser realizado para os grupos musculares específicos e ter como alvo as articulações mais suscetíveis a lesões (p.ex., tornozelos, joelhos e região lombar) tornando-se adequado em treinamentos de alta intensidade ou de grande volume, típico de atletas corredores de longas distâncias (KRAEMER; NEWTON, 2000).

Associando as considerações sobre o limiar de lactato (LL) e economia de corrida (EC), o treinamento de força muscular torna-se algo suplementar aos corredores e uma necessidade dos técnicos de atletas de nível competitivo. Sendo os programas de treinamento de corredores de natureza dinâmica e que devem responder às diferentes necessidades e condições existentes, é de fato muito difícil estabelecer recomendações específicas para todos os tipos de corredores de fundo quando as exigências individuais dos atletas não são conhecidas. Os riscos de se usar uma receita generalista é que essas necessidades podem ser ignoradas e, portanto, o potencial do programa tornar-se limitado.

É fundamental a prática da individualização do programa de treinamento baseado nas respostas dos atletas, apropriando o calendário de treinos às competições, que se tornaram cada vez mais exigentes no ambiente esportivo.


 

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