INTRODUÇÃO
O treinamento de força muscular (TFM) recebe um número crescente de adeptos por todo o mundo, que buscam a promoção da saúde, do condicionamento físico e a melhora do rendimento. Modelo de treinamento este que consiste, em linhas gerais, em exercícios contra resistência, ou seja, um treinamento que envolve a capacidade neuromuscular de superar uma resistência externa e interna (BOMPA, 2002).
Uma capacidade em que sua magnitude segundo Zatziorsky (1986) se dá em função de três fatores: coordenação intramuscular; coordenação intermuscular e a força com a qual o músculo reage a um impulso nervoso. O TFM bem orientado pode promover uma série de benefícios aos praticantes, entre eles o aumento da força, aumento da massa magra, diminuição da gordura corporal e melhoria no desempenho físico em atividades esportivas e na atividade diária, além de uma série de outras adaptações fisiológicas. Os benefícios do TFM que enfocaremos nesta revisão são os relacionados ao sistema ósseo tanto de crianças, adolescentes, adultos e idosos de ambos os sexos.
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A saúde óssea pode ser alterada dependendo da manipulação das variáveis do TFM, já que o osso é muito sensível a cargas mecânicas, tais como: compressão, deformação e taxa de deformação (CHOW, 2000). Essas características podem ser alteradas de acordo com a intensidade, volume, tipo de exercício, pela taxa de sobrecarga e velocidade de execução do movimento. A própria carga diária de força gravitacional é de extrema importância para a saúde óssea, haja vista que estudos em ambientes com microgravidade geralmente produzem perdas minerais ósseas de aproximadamente 4% nos ossos de sustentação, mas a magnitude dessa resposta depende do tempo de exposição à microgravidade (WILMORE e COSTILL, 2001). O objetivo do presente estudo é fazer uma revisão na literatura, elucidando aspectos que envolvem o TFM e as adaptações ao sistema ósseo.
FISIOLOGIA ÓSSEA
Os ossos são estruturas resistentes e com características funcionais de proteção aos órgãos; sustentação e conformação do corpo; local de armazenamento de íons Ca++; sistemas de alavancas motoras e local de produção de certas células do sangue (DANGELO e FATTINI ,1987).
Sua composição compreende uma matriz óssea com uma porção orgânica composta por fibras colágenas (hidroxiprolina), glicoproteínas e proteoglicanas; uma porção inorgânica composta principalmente por cristais de hidroxiapatita (fosfato de cálcio), além de carbonato de cálcio e íons (bicarbonato, magnésio, potássio, sódio e citrato em pequenas quantidades). E células como os osteócitos, que se situam em cavidades ou lacunas no interior da matriz; os osteoblastos que são produtores da parte orgânica da matriz; e os osteoclastos que reabsorvem o tecido ósseo participando dos processos de remodelação (JUNQUEIRA e CARNEIRO,1999).
MODELAÇÃO E REMODELAÇÃO
Os processos de modelação e remodelação dos ossos são dependentes principalmente das ações dos osteoblastos, osteoclastos, do controle da calcemia, regulação hormonal e das sobrecargas mecânicas. Os ossos estão em constante processo de reabsorção osteoclástica e também deposição osteoblástica, o que faz do osso um tecido dinâmico. O processo de deposição óssea se dá em duas etapas: os osteoblastos secretam substâncias protéicas na matriz que polimerizam formando fibras colágenas (principais constituintes dessa matriz) e em seguida ocorre a precipitação de sais de cálcio nos interstícios dessa matriz, para tal processo ter eficiência se requer a combinação de cálcio e fosfatos (fosfato de cálcio) e subseqüente mecanismo lento de conversão desse composto em hidroxiapatita, isso pode durar semanas a meses (GUYTON, 1988).
Já o processo de reabsorção do osso se dá por meio da secreção de dois tipos de substâncias: enzimas proteolíticas, liberadas a partir dos lisossomos dos osteoclastos e vários ácidos, inclusive ácido láctico, liberados pelas mitocôndrias e vesículas secretoras. As enzimas digerem ou dissolvem a matriz orgânica do osso, e os ácidos causam a solução dos sais ósseos, liberando o produto para o sangue (GUYTON, 1997). Esse dinamismo do tecido ósseo garante a remodelação dos ossos num processo que perdura por toda a vida, garantindo a rigidez e resistência da estrutura óssea.
AÇÃO HORMONAL
A atividade das células ósseas pode ser regulada através da ação hormonal, hormônios estes que atuam de acordo com as concentrações do íon cálcio plasmático e que podem, dessa forma, influenciar os processos de remodelação. Os principais hormônios ligados ao controle da calcemia são os hormônios paratireóideo ou paratormônio (PTH) e a calcitonina. O PTH vai atuar em presença de elevadas concentrações de cálcio e agir de forma a acentuar a reabsorção renal deste íon, e indiretamente aumentar a absorção intestinal e mobilizar cálcio para os ossos. Esta ação pode ocorrer de duas maneiras: (1) um processo rápido (alguns minutos ou horas), no qual aumentará a permeabilidade da membrana osteocítica, lançando íons cálcio nos capilares sangüíneos; (2) um processo mais lento (dias a meses) que consiste na ativação osteoclástica, intensificando a atividade das células já existentes ou estimulando a formação de novas células (GUYTON, 1997; SILVERTHORN, 2003).
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A ação prolongada do PTH pode acarretar em grande absorção óssea e conseqüente enfraquecimento dos mesmos. A calcitonina, ao contrário do PTH vai atuar em elevadas [Ca++], aumentando a excreção urinária de cálcio pelos rins e inibindo a atividade osteoclástica nos ossos.
Segundo Wilmore e Costill (2001) a calcitonina é importante na infância durante o crescimento ósseo e não demonstra muito efeito no controle da calcemia em adultos, embora esse hormônio pareça oferecer proteção contra a reabsorção excessiva do osso.
Os estrogênios também são hormônios que interferem na saúde óssea, principalmente nas mulheres e parece ter um papel de aumentar a absorção intestinal de cálcio, reduzir a excreção urinária deste íon, inibir a reabsorção e reduzir a taxa de renovação (turnover) óssea.
Com a menopausa e a redução nos níveis de estrogênio, as mulheres sofrem com acentuada perda de densidade mineral óssea (DMO), mesmo sendo esse hormônio produzido pelos músculos esqueléticos, tecido adiposo e os tecidos conjuntivos, mas em pequenas quantidades. Já os homens de maior idade parecem produzir determinadas quantidades de estrogênios o que indicaria uma menor prevalência de perda da DMO (McARDLE, 2003).
CARGAS MECÂNICAS
As cargas mecânicas parecem ser o principal estímulo para o processo de osteogênese, ou seja, intensifica os processos de modelação e remodelação óssea. Segundo Fleck e Kraemer (2006) parece haver um limiar de cargas mecânicas para afetar a DMO e tal limiar pode ser alcançado com a manipulação das variáveis do TFM.
É importante frisar que as cargas mecânicas geram um estímulo osteogênico local especifico, e que tal estímulo gerará alterações no metabolismo ósseo. As evidências apontam para uma teoria em que o osso transforma o estresse mecânico em energia elétrica (como um cristal piezoelétrico).
Tais modificações elétricas estimulariam o acúmulo de cálcio pelos osteoblastos. Esse efeito osteogênico irá depender da magnitude da força aplicada e da freqüência de aplicação (McARDLE, 2003).
OSTEOPOROSE e EXERCÍCIOS RESISTIDOS: UM MÉTODO PREVENTIVO
A osteoporose é uma patologia que vem crescendo estatisticamente e alarmando os órgãos de saúde de todo o mundo, principalmente porque não está associada apenas ao fator genético, mas também ao estilo de vida, caracterizado pelo sedentarismo, alimentação inadequada, entre outros. Essa doença é caracterizada pela redução da massa óssea e deterioração da micro arquitetura do tecido ósseo que induz ao incremento de sua fragilidade e conseqüente aumento no risco de fratura. Tanto homens como mulheres podem sofrer com fraturas osteoporóticas, no entanto são as mulheres as mais suscetíveis a essa patologia.
Segundo a Fundação Internacional de Osteoporose, 40% das mulheres do mundo correm o risco de ter uma fratura em razão da doença, entre os homens, a porcentagem é de 13%. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a osteoporose o segundo maior problema de saúde pública para as mulheres, depois do câncer de mama.
Segundo o Colégio Americano de Medicina Esportiva (1995) os principais pontos de fraturas osteoporóticas são as vértebras e distal do rádio (antebraço) com ocorrência primária, enquanto as associadas ao quadril ocorrem posteriormente, e que a prevenção dessas fraturas é focalizada na preservação ou incremento do material e propriedades estruturais do osso, na qual fatores como nutrição (ingestão de cálcio), reposição hormonal (estrogênios) e sobrecargas mecânicas (atividades diárias, exercício físico, ação gravitacional) podem otimizar esse processo. O exercício físico, em especial o TFM, vem apresentando resultados satisfatórios na prevenção à osteoporose, já que este vem demonstrando ser um importante fator osteogênico.
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Dois tipos principais de ossos são afetados pela osteoporose: (1) o osso trabecular (esponjoso) menos denso e com alta taxa de turnover, prevalecendo nas vértebras e extremidade distal do fêmur, sendo mais responsivos às concentrações hormonais; (2) o osso cortical com camada externa mais dura e densa, menor taxa de turnover e mais responsivos às cargas mecânicas, prevalecendo nas diáfises dos ossos longos (McARDLE, 2003).
Estudos sugerem que a redução óssea trabecular pode começar no inicio da terceira década enquanto o osso cortical pode incrementar ou permanecer constante até a quinta década de vida (BIRKENHAGER-FRENKEL et al., 1988; MARCUS et al.,1983; RIGGS et al.1981; MAZESS, 1982).
De um modo geral, os homens experimentam perdas ósseas de 0.4% ao ano a partir dos 50 anos de idade enquanto as mulheres começam a perder duas vezes esse valor a partir dos 35 anos (McARDLE, 2003).
Portanto, sugere-se que o pico de massa óssea pode ser alcançado até a terceira década de vida e que são esses valores máximos do conteúdo mineral que irão determinar o ritmo de perda óssea natural (osteopenia) e a redução do risco de uma osteoporose futura.
Antes de discutir o papel do exercício como fator osteogênico é preciso entender alguns princípios do treinamento que interferem nesse processo: (1) especificidade - o exercício promove um efeito osteogênico local; (2) sobrecarga - um aumento progressivo na intensidade do exercício promove a deposição contínua de osso; (3) valores iniciais - indivíduos com menor massa óssea total apresentam maior potencial de incremento; (4) individualidade biológica - existe um teto para o incremento da massa óssea; (5) reversibilidade - a interrupção da sobrecarga reverte o efeito osteogênico (McARDLE, 2003).
O conjunto de todos esses princípios nos leva a sugerir que o TFM é o mais eficiente para induzir o incremento do conteúdo mineral ósseo de todos os segmentos corporais.
Os ganhos de força decorrentes desse treinamento possibilitam a aplicação de sobrecargas crescentes, além de proporcionar estímulos a todos os segmentos corporais (os três princpis pontos de fraturas), ao contrário das atividades com transporte corporal (caminhada, natação e corrida, p.ex.) em que a sobrecarga se mantém constante ao longo do tempo e o estímulo frequente não mais afetará todas as estruturas ósseas.
Estudos demonstraram que a magnitude do estímulo é mais importante que a frequência do mesmo (CREIGHTON et al, 2001; BURROWS et al, 2003; CULLEN et al, 2001; NICHOLS et al, 2001).
Intensidades mais elevadas são necessárias para atingir os limiares de carga mecânica e com isso potencializar o efeito osteogênico local, como mencionado anteriormente, e corroboradas nos estudos de Tsuzuku, Ikegami e Yabe (1998) em que foi comparado a DMO de jovens basistas divididos em grupos de alta e baixa intensidade e o grupo controle, na qual os resultados obtidos no grupo que treinou a alta intensidade foram maiores que o de baixa intensidade e o controle.
Robinson et al. (2000) ainda demonstraram que homens e mulheres praticantes de atividades de força e potência possuíam massa óssea igual ou maior que atletas de endurance.
Pelo fato do pico de massa óssea ocorrer até a terceira década de vida, as evidências apontam para o START (início) do treinamento. Quanto antes o individuo entrar num programa de exercícios resistidos maior será a magnitude dos resultados, seja no incremento, na manutenção ou na redução progressiva de massa óssea.
Tanto jovens como idosos de ambos os sexos podem se beneficiar do TFM (RYAN et al., 2004). Estudos demonstraram que o praticante pré–púbere pode estar em melhor posição para aumentar a densidade mineral óssea e a expansão periosteal do córtex ósseo por meio da atividade física quando comparados a sujeitos que iniciaram tardiamente o treinamento (BASS, 2000; KHAN et al., 2000).
Um estudo apresentado por Conroy et al. (1993) demonstrou que levantadores de peso de elite (14 a 17 anos) apresentaram DMO significativamente maior no quadril e região do fêmur do que indivíduos do grupo controle.
O estudo de Khan et al. (2000) ainda evidencia que ex-atletas que aumentam a DMO na adolescência podem apresentar menor perda óssea nos anos seguintes. Homens e mulheres adultos também experimentam benefícios no incremento da DMO. Uma amostra de mulheres entre 30 e 45 anos completaram 12 meses de treinamento de força de membros inferiores envolvendo saltos com sobrecarga (10 a 13% da massa corporal), apresentou drástico aumento de força e potência junto com um aumento na DMO de 1 a 3% acima do grupo controle (WINTERS e SNOW, 2000).
Em uma análise do detentor da maior marca de agachamento do mundo (1 RM maior que 469 kg), Dickerman, Pertusi e Smith (2000) encontraram uma DMO de 1,86g/cm2 na coluna lombar, a maior DMO já registrada historicamente.
Em idosos, o TFM se torna ainda mais fundamental, não apenas pelo efeito direto da prevenção a osteoporose através do estimulo osteogênico, mas pelo fato deste tipo de treinamento otimizar os ganhos de força, além de facilitar a síntese e a retenção de proteínas e abrandar a perda “normal”(sarcopenia) e, até certo ponto, inevitável de massa e força musculares que ocorre com o envelhecimento.
Experimentos de Nelson e colaboradores (1994) treinando uma população de mulheres mais velhas, o treinamento de força de alta intensidade teve efeitos significativos sobre a saúde óssea com aumentos reportados na densidade do fêmur e da coluna lombar após um ano de treinamento, além de demonstrar melhoria na massa muscular, no equilibro e no nível total das atividades diárias, o que faz com que o índice de quedas e conseqüentes fraturas possam ser minimizados.
Apesar de todas essas evidências de significância positiva na relação TFM/DMO, muitos estudos realizados sobre esse foco não reportaram respostas significativas, o que pode ser explicado pelo fato de osso adaptar-se muito lentamente (6 a 12 meses) e também pela manipulação das variáveis do treinamento de força muscular para que se atinja o “limiar excitatório” para o efeito osteogênico.
Um bom exemplo de como essas variáveis podem influenciar é o estudo de Hawkins et al. (1999) que comparou o TF excêntrico e concêntrico com a mesma carga relativa, no qual o TF excêntrico demonstrou ser mais efetivo no aumento da DMO, devido sua maior produção de tensão e consequentemente de força muscular.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, embora muito ainda deva ser investigado sobre os reais efeitos do TFM nos processos osteogênicos, este tipo de treinamento fundamentado em bases científicas, parece constituir uma importante ferramenta para a prevenção da osteoporose, seja por ação direta (efeito osteogênico) ou por ação indireta. Otimizando os níveis de força e massa muscular com conseqüente melhora no nível de atividade física, equilíbrio, realização de atividades diárias, e com isso aumentando as taxas de sobrecargas mecânicas, fazendo com que as incidências de fraturas decorrentes de quedas possam ser minimizadas ou até mesmo extintas. Por ser um treinamento de baixo custo e de fácil controle, talvez este seja o caminho mais seguro e saudável para a prevenção de patologias que elevam os dados estatísticos epidemiológicos, como é o caso da osteoporose.