INTRODUÇÃO
A gravidez cria demandas especiais à mulher em decorrência das necessidades calóricas, protéicas, minerais, e vitamínicas do feto em desenvolvimento e, é claro, do ambiente fisiologicamente estável necessário para o processamento desses nutrientes. É levando em conta este quadro que a implementação de um programa de condicionamento físico deve ser avaliado. O presente artigo dá ênfase sobre o tema relacionando-o ao treino de força muscular. O objetivo principal é apresentar considerações levantadas a respeito da prática de exercícios resistidos durante a gestação, com enfoque especial sobre os efeitos orgânicos na saúde da gestante e no crescimento fetal. A atividade física já ganhou muitos adeptos em todo o mundo por causa dos inúmeros benefícios apresentados à saúde. Sendo assim, por que não praticá-la em um período tão importante na vida de uma mulher: a gestação. A prática de atividades físicas por mulheres gestantes sempre se constituiu em um assunto bastante divergente. Historicamente, muitas dúvidas e questões foram levantadas sobre o tema, já que as gestantes apresentavam preocupações quanto a ocorrência de nascimentos prematuros, receios de abortos, baixo desenvolvimento do feto, lesões músculo-esqueléticas, entre outras, em função da prática de exercícios. Pesquisas recentes demonstraram que a participação regular de grávidas em um programa de atividades físicas pode melhorar o condicionamento fisiológico das mães, restringirem o ganho de peso sem comprometer o desenvolvimento do feto e ainda facilitar a recuperação pós-parto.
GESTAÇÃO
A gravidez não deve ser vista como uma doença, mas sim como um período muito especial em que ocorrem mudanças significativas no perfil endócrino, destacando-se quatro hormônios que desempenham um papel fundamental para a mãe e para o feto. Dois desses são os hormônios sexuais femininos estrogênio e progesterona, os quais são secretados pelo ovário durante o ciclo menstrual normal, passando a ser secretados em grandes quantidades pela placenta durante a gestação. Outros dois importantíssimos são: a gonodotrofina coriônica e a somatomamotropina coriônica humana.
Segundo Guyton (1988), durante a gravidez o estrogênio provoca uma rápida proliferação da musculatura uterina, aumento acentuado do crescimento do sistema vascular para o útero, dilatação do orifício vaginal e dos órgãos sexuais externos e relaxamento dos ligamentos pélvicos permitindo assim uma maior dilatação do canal pélvico o que facilita a passagem do feto no momento do nascimento. Ao contrário do estrogênio, a progesterona praticamente não exerce influência sobre as características sexuais femininas, mas sim sobre o preparo do útero para receber o óvulo fertilizado e da mama para secreção do leite. Durante a gestação, a progesterona atua disponibilizando para o uso do feto, nutrientes que ficam armazenados no endométrio. A progesterona também é responsável pelo efeito inibidor da musculatura uterina, uma vez que se isso não ocorresse, as contrações expulsariam o óvulo fertilizado ou até mesmo o feto em desenvolvimento. As mamas também recebem influência da progesterona, fazendo com que os elementos glandulares fiquem ainda maiores e formem um epitélio secretor, promovendo a deposição de nutrientes nas células glandulares.
A função da gonodotrofina coriônica é manter ativo o corpo lúteo durante o primeiro trimestre. Sem o corpo lúteo em atividade a secreção de progesterona e estrogênio seria afetada e assim, o feto cessaria seu desenvolvimento e seria eliminado dentro de poucos dias. Após o primeiro trimestre, a remoção do corpo lúteo já não afeta mais a gravidez, uma vez que a placenta fica responsável pela secreção de estrogênio e progesterona em quantidades muito elevadas.
A somatomotropina coriônica humana é responsável principalmente pela nutrição adequada do feto, diminuindo, dessa forma, a utilização da glicose pela mãe e tornando-a disponível em maior quantidade para o feto. Ocorre também uma mobilização aumentada de ácidos graxos do tecido adiposo materno, elevando a utilização dos mesmos como fonte de energia em lugar da glicose. Um outro efeito desse hormônio é auxiliar o crescimento fetal, efeito esse semelhante ao do hormônio do crescimento, contudo esse efeito é relativamente fraco.
PAPEL DO EXERCÍCIO FÍSICO NA GESTAÇÃO
Atualmente já é consenso entre os especialistas que, para sentir-se bem na gestação e no parto, a combinação de exercício e dieta nutritiva é importantíssima. Várias entidades conceituadas mundialmente preconizam exercícios para a promoção da saúde, como o American College of Sports Medicine (2005) e o American College of Obstetricians and Gynecologists (2005), ambos concordam que mulheres saudáveis, com uma gestação que se desenvolva normalmente, não precisam parar de fazer exercícios com medo de efeitos adversos.
Segundo o ACSM não existem evidências que diferenciem mulheres que se exercitam e mulheres sedentárias em relação a índices de aborto ou ruptura de placenta, parto prematuro, sofrimento fetal e anormalidade do bebê ao transcorrer da gestação. Portanto, desde que o exercício seja muito bem quantificado e controlado, diversos benefícios são observados, como bom funcionamento do coração e dos pulmões e melhoria da postura e do equilíbrio da gestante. Também é importante citar que com a prática adequada de exercícios há aumento das condições para a realização do parto normal, pois a pressão arterial, um dos maiores empecilhos do parto normal, pode ser controlada, uma vez que o exercício físico estimula a eliminação do excesso de líquidos corporais. Outros possíveis benefícios da atividade física durante a gestação incluem (ACSM, 2005):
- melhoria da aptidão física aeróbia e muscular;
- facilidade para se recuperar pós-parto;
- aumento do bem-estar e da auto-estima da gestante;
- volta mais rápida ao peso, força e flexibilidade da pré-gestação;
- menores intervenções do obstetra;
- parto mais rápido e menos doloroso;
- menor ganho de peso corporal na gestante;
- melhoria da digestão e diminuição do desconforto gastrointestinal;
- maior reserva de energia;
- diminuição das lombalgias durante a gravidez;
- diminuição do acúmulo de gordura abdominal após o parto.
BENEFÍCIOS DO TREINAMENTO REGULAR
Segundo Matsudo (2004), a prática de atividades físicas também traz benefícios na área psicosocial, tais como: melhoria da auto-estima, da sensação de bem estar e da auto-imagem, além de diminuir a sensação de isolamento social, ansiedade, estresse e risco de depressão. Os exercícios com pesos são permitidos e são de extrema importância para sustentar o peso do corpo, que aumenta bruscamente, nas tarefas diárias, manter a força muscular, diminuir as lombalgias e outros desvios posturais causados pelas mudanças biomecânicas ocorridas durante a gravidez e manter a auto-estima e a auto-confiança, levando a uma gravidez mais independente (Artal, Wiswell e Drinkwater, 2005).
Outro benefício biológico que podemos analisar consiste na menor duração da fase ativa do parto. Neste contexto, Matsudo (2004) indica que os exercícios que promovem o fortalecimento, alongamento e relaxamento dos músculos que são utilizados no processo de parturição, podem facilitar a chegada do bebê, auxiliando a gestante no momento do parto e contribuindo para sua recuperação no período pós-parto, diminuindo assim os riscos de complicações obstétricas.
A prescrição dos exercícios de musculação para mulheres grávidas, segundo Matsudo e Matsudo (2000), deve privilegiar o treinamento com número de repetições em torno de 10, com estimulação de 10-15 grupos musculares, duas vezes por semana. A recuperação das fontes energéticas entre cada exercício deve ser completa e a intensidade das cargas deve ser bastante moderada, algo em torno de 1,5 a 2,5 Kg.
De acordo com Mc Nitt Gray (2005), os exercícios abdominais mais suaves são permitidos, inclusive ajudam a evitar má-postura e até a melhorar a digestão e diminuir as dores lombares.
Associado aos exercícios, faz-se necessária a garantia de uma dieta adequada, pois além de o feto necessitar de quantidades muito grandes de ferro, de cálcio, de fósforo, de aminoácidos e de vitaminas, a grávida requer um adicional de 300Kcal/dia para a manutenção de sua homeostasia metabólica. Segundo Powers e Howley (2000), as mulheres grávidas que se exercitam no primeiro trimestre devem aumentar a dissipação de calor, garantindo uma boa hidratação, vestindo roupas adequadas e praticando os exercícios num ambiente ideal.
CONTRA-INDICAÇÕES
O ACOG (2005) determina algumas contra-indicações para a realização de exercícios durante a gravidez:
- hipertensão gestacional;
- ruptura da membrana;
- parto prematuro na gravidez anterior;
- sangramento persistente durante o segundo para o terceiro trimestre da gestação;
- crescimento intra-uterino retardado.
Vale lembrar que mulheres que nunca praticaram atividade física e pretendem iniciar durante a gestação devem procurar um médico e se liberadas pelo mesmo, devem iniciar com intensidade bastante baixa, pois não se conhecem parâmetros anteriores para controle das cargas (ACOG, 2005). Mesmo as mulheres que já praticaram alguma atividade antes da gravidez devem diminuir a intensidade e o volume dos treinos, de acordo com o avanço da gestação.
Num grupo de orientações iniciais estabelecidas pelo ACOG foram fornecidos alguns critérios fixos a serem respeitados pelas grávidas, como por exemplo, não se exercitar com uma freqüência cardíaca acima de 140 batimentos/minuto, porém as orientações mais recentes reconhecem que não existe corroboração para tal restrição, desde que se modifique a intensidade de acordo com os sintomas, além de não forçar até a exaustão. Outra situação que podemos apontar como contra-indicante durante a gravidez é a aplicação de exercícios em posições supinada (barriga para cima) e pronada (barriga para baixo) após o primeiro trimestre de gestação (Artal, Clapp e Vigil, 2000). Esta situação é contra-indicada porque tais posições estão relacionadas com uma redução no débito cardíaco e possível obstrução do retorno venoso (Foss e Keteyian, 2000), dificultando a circulação sanguínea. Deste modo, exercícios como o supino reto com pés apoiados no chão, crucifixo com pés apoiados no chão, entre outros, não são recomendados. Devem-se evitar também períodos prolongados de bipedestação imóvel. Assim, atividades as quais não se sustenta o peso do corpo, como pedalar, nadar ou principalmente a hidroginástica são bastante favoráveis para o condicionamento aeróbio durante a gravidez, pois diminuem o impacto e a carga sobre as articulações (Katz, 1996; Katz, Mc Murray, Berry e Cefalo, 1988).
CONCLUSÃO
O treino de força muscular, quando ambientado em um contexto não estressante e com prescrições adequadas de cargas, pode proporcionar importantes benefícios à gestante. Deste modo, podemos concluir que a prática de atividades físicas, quando prescritas adequadamente, não modifica a duração da gestação, não prejudica o desenvolvimento do feto e muito menos induz a ocorrência de abortos espontâneos, como muitas mulheres temem o que só vem a ressaltar sua importância na manutenção da saúde materna e do bem estar do feto.
Mesmo sabendo dos benefícios que a prática regular de atividades físicas pode trazer à mulher grávida, alguns cuidados devem ser adotados durante a prescrição dos exercícios no sentido de promover uma completa adequação às condições específicas apresentadas pela gestante. Neste contexto, alguns importantes fatores devem ser considerados. São eles: segurança, meio ambiente e tipo de exercício.
De qualquer modo, devido ao número bastante limitado de pesquisas científicas publicadas na área, sugerimos que outros estudos sejam realizados com o objetivo de analisar de forma mais aprofundada os efeitos da atividade física sobre a mulher em gestação.